segunda-feira, 7 de junho de 2010

Belmira, Gás, Choque, Zé Roelas e uma planta no asfalto


Dia 28 de maio, Grajaú, 6h da manhã...Avenida Belmira Marin... Já fazia uma semana que estava circulando nas comunidades e bairros do entorno, que um grupo de moradores da região, organizados a partir de uma articulação da qual eu ainda não tenho muita noção de quem era, iriam fazer uma manifestação na citada Avenida.

O motivo? A Avenida Belmira Marin é a única via de mais de 30 bairros, onde moram no mínimo 600 mil pessoas, e vive completamente congestionada, independente de horário...

Nos últimos meses as coisas vêm ficando cada vez mais calamitosas... A maioria dos trabalhadores, estudantes, moradores de um modo geral, acabam tendo que descer dos transportes públicos e ir a pé pra suas casas, ou encontrar caminhos alternativos com seus transportes privados, pra poderem chegar.

Um percurso que é possível fazer em dez minutos, se o trânsito estiver livre, chega há demorar duas horas... Independente de hora ou dia, a Belmira virou um estopim de pessoas e transportes tentando encontrar brechas num espaço em que é impossível de circular, gerando engarrafamentos cujas imagens, de gente abandonando os ônibus, que ficam vazios e parados por horas na Avenida, e os motoristas de carro, tentando costurar, avançando por sobre os faróis que se fecham e abrem, sem que nenhum veículo ande mais de 2 metros em menos de 10 minutos...

A expressão cansada nas pessoas, que vêm aturando essa situação há tempos é uma mistura de revolta, conformismo, raiva, submissão, indignação e apatia, diante de algo que muitos sabem quem deveria ser acionado, ou que se deveria fazer algo...

E algo Iniciou nessa quinta de maio...

Um grupo de moradores, alguns tradicionais líderes comunitários, gente que já participou de lutas na região no passado, outros, ligados às comunidades por outras vias mais institucionais, como assessores de políticos de uma “suposta oposição” e mais alguns, moradores, usuários dos transportes, gente que acreditou que aquela ação seria uma forma de tentar mudar o quadro de desalento que vivem...

O que fizeram? Ainda não sei definir o que foi... Então, vou descrever o que vi...E cada um interpreta como quiser...

Cheguei ao local divulgado no panfleto (que não era assinado por ninguém) às 6h30... As pessoas já estavam concentradas ali, e embora não fossem muitas, já demonstravam grande empolgação na ação que estaria prestes a acontecer. Havia também uma grande concentração de policiais, munidos de transportes, armas e aquele aparato todo, de que não vieram pra “proteger e servir”...

Embora não tenha identificado exatamente quem estava na liderança, ou como estava organizada e pensada a ação, percebi a presença, como já citei antes, de alguns líderes comunitários tradicionais, que pareciam negociar com os policiais, como seria conduzida a “tomada” da Avenida (que indicava a idéia de fazer uma passeata...)

Sem que ficasse muito claro ou definido, ao menos pra mim, o que estaria fechado, ou quais as estratégias de ação e resistência o grupo iria tomar, começamos andar e a tomar uma das vias (a sentido bairro-centro) da Belmira...

Em menos de 10 metros de caminhada, a polícia interviu... Jogando suas viaturas pra cima das pessoas, e fazendo o grupo dispersar com gás de pimenta e lacrimogêneo. Vieram por trás, arremessando os projéteis que liberavam o gás, de modo que muitos não conseguiram nem ver o que estava acontecendo, começando um corre-corre onde, felizmente, ninguém chegou a se machucar, apesar dos efeitos dos gases (falta de ar, o rosto queimando, os olhos lacrimejando, um tipo de cegueira temporária)...

O grupo tentou se reunir pra decidir o que faria a partir de então. Alguns mais empolgados sugeriam a retomada da Avenida, outros, propunham reunir as pessoas pra conversar, enquanto uns também sugeriam que se caminhasse até o ponto marcado pra ser o desfecho do ato (Terminal Gragaú), e lá reunissem pra conversar (cheguei a ouvir que esperavam que tivesse alguém das autoridades lá pra ouvir a reivindicação que se fazia)... Sem muita consulta, ou clareza de como as coisas se dariam, continuamos a caminhada pela calçada da Belmira, escoltados, empurrados, intimidados pela polícia, que colocava seus carros entre o grupo e a Avenida, pra “garantir que não houvesse transtorno no trânsito”...

Apesar da pressão e repressão, continuamos pela calçada, caminhando, com alguns cantando e gritando palavras de luta, resistência, orgulho e etc... Panfletos iam sendo distribuídos, e a população local, embora demonstrasse simpatia pelo movimento, não se juntava ao próprio.

Entre o grupo, haviam diferentes ânimos e discursos, e em alguns momentos, algumas discussões entre os “supostos líderes”, no que dizia respeito às atitudes que dever-se-ia ter em relação aos policiais, a caminhada,etc.

Aos chegarmos ao ponto marcado (Terminal Grajaú), eis mais uma surpresa: A Tropa de Choque esperava-nos com seu aparato...

Cheguei a ouvir de algumas pessoas, que a idéia era entrar no Terminal Grajaú, mas o grupo ao se deparar com a Tropa de Choque viu logo que a idéia não seria realizável... Ficou uma discussão do que se faria dali em diante, uma dispersão no grupo, que não tinha muita noção do que fazer, e a pressão da polícia, que se mostrava cada vez mais truculenta, embora os manifestantes não apresentassem nenhuma postura de enfrentamento...

Como se não bastasse todo o aparato, e o fato de a manifestação ter sido tratada como coisa de “gente errada” (ao menos por parte do representante do Estado presente), um dos membros da corporação policial resolveu que queria ter uma “conversa” mais pessoal com um dos manifestantes, já que, segundo “o polícia”, o rapaz havia o ofendido, desacatando sua autoridade (eles adoram usar isso de pretexto)... O rapaz, que se viu acuado, tentou correr para evitar uma agressão (que parecia encaminhar-se), mas “os polícia” logo formaram o cerco, encurralando o rapaz dentro de uma escola próxima... Impedidos de entrar os outros manifestantes, ficaram de fora, tentando furar o bloqueio da Polícia, afim de impedir que o rapaz fosse agredido, e a resposta foi aquela típica cena repressora da tropa de choque batendo seus cassetetes nos escudos e dando mostras claras de que pretendia “dar um jeito” naquela gente.

Creio que, muito por conta da presença da Imprensa (que estranhamente estava lá, o que não é comum), e da própria fala de alguns envolvidos no ato (gente ligada à política), o resultado final não foi de maiores efeitos colaterais físicos... E todos conseguiram voltar pras suas casas...

Do ponto de vista psicológico, ficou aquela sensação de medo, de sentimento de repressão... Alguns senhores citavam situações parecidas vividas em greves na década de 70, os anos de chumbo...

No geral, levo comigo duas impressões do ato em si:
A primeira é de que nossa população continua acomodada, deixando suas vidas nas mãos de poucos... Alguns realmente lutadores, interessados em mudanças, outros aproveitadores, interessados no próprio status que podem conseguir, assumindo a posição de suposta liderança... E no geral, esses ativistas ainda não conseguem organizar qual é o caminho de atuação, a quem recorrer, como recorrer, e quais são os resultados que se pretende com certas ações... Muitos desses ainda estão presos a antigos sistemas de pensar a forma de fazer política, presos a vícios de um tempo que já passou, e que pouco funciona hj...(Sem falar naqueles que só querem manipular a situação a favor de sua tendência partidária)...

Do outro lado, fiquei com a clareza cada vez maior de que o Estado, representado pela Polícia (já que foi a única autoridade presente durante a manifestação) continua tratando e vendo a população como criminosa, dando a mesma o único tratamento que sabem dar, quando não conseguem dialogar... Repressão, violência, gás de pimenta, bomba de gás lacrimogêneo, jogar o carro sobre as pessoas, fazer pressão com seus alaridos de cassetetes e escudos... muitos deles, babando a nóia de que tudo que querem é “Cumprir seu dever” ( e pela expressão de alguns, às 6h da manhã, nóia é a palavra mais adequada).

Diante desse quadro, que não é bonito, nem muito esperançoso, ainda fico feliz por saber que tem alguma coisa acontecendo... Durante uma semana, foi só no que se falava na comunidade... O clima era de despertar, como se algo estivesse brotando... E embora dessa vez, o fruto tenha sido germinado em solo árido, tenho a impressão de que algo está acontecendo devagar em nossa comunidade... Claro que tem muito “Zé Roela” só falando e nada fazendo, claro que tem muita gente concordando com a postura criminalizante do Estado, claro que ainda tem muita gente que não quer ver... Mas algumas flores começam a brotar... Vamos ver quais serão os frutos!!!

Um comentário:

  1. Bom dia, Alan !
    Adorei seu comentário, e pela sua narração que pude saber o que aconteceu de verdade na passiata. Fico muito triste em ver meu bairro como está, as pessoas de fora, estão com 'traumas" de passarem pela Belmira. E nós os moradores como estamos?!como ficamos?! Temos que enfrentar todos os dias, esse caus que se tornou a nossa única via, para chegarmos em nossas residências. Vlw querido por seu apoio.
    Pessoas como vc fazem toda diferença.
    Vou deixar uma opinião, na qual se eu estiver errada, pode dizer! O que vc acha de reunir uma pessoa assim como vc, que tem uma visão aberta e esclarecedora, de marcar para falarmos com o Goulart, que tem uma sede na Av: Jangadeiro!? Podemos tentar, afinal as eleições estão chegando. Ele fazendo algo em nosso bairro, terá muitos votos.
    Depois você me diz o que acha!?
    Fica com Deus
    Beijos :)

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