terça-feira, 10 de maio de 2011

13 de maio e a Ilusão que atravessa os tempos

Durante muitos anos no Brasil, o dia 13 de maio foi comemorado como um dia que representava a Libertação dos Escravos, por conta da Lei Aurea, assinada pela Princesa Isabel no ano de 1888.

Hoje, no entanto, refletindo sobre o significado real de tal ação, sobre os resultados reais da chamada abolição e sobre as condições que ficaram os descendentes desses africanos que vieram forçados para o Brasil, nossa atitude perante a essa data e essa ideia de comemoração é outra.

Poucos sabem o verdadeiro motivo pelo qual a Princesa Isabel assinou a lei, mas o fato é que sua ação, que foi vista como “boazinha” durante anos, foi muito mais um ato estratégico pra não perder o controle do que uma caridade. Haviam pressões duras da Inglaterra pra que o Brasil abolisse a escravidão (era o único país na América que ainda não tinha feito isso), e haviam revoltas de mulheres e homens escravizados por toda parte do país, apoiados por muitos abolicionistas, e gerando nas próprias fazendas dos escravagistas, grande insegurança...

A “Dona Izabel” não fez outra coisa, se não confirmar aquilo que já estava praticamente inevitável...

Pra além disso, a Abolição feita pela lei Aurea ainda deixou muitas coisas “mal resolvidas” na história desse país:

A primeira foi o fato de terem “liberado” a gente escravizada de sua condição de cativo, mas não terem dado nenhum tipo de compensação, reparação, indenização pelos sequestros, o uso de sua força de trabalho por mais de 300 anos (o que produziu a riqueza de muitos fazendeiros e seus herdeiros, até hoje) e a violência contra seus corpos, sua moral, sua cultura, sua dignidade humana. A Lei dizia apenas que estavam “libertos os escravos”, o que fez com que muitos fossem simplesmente colocados pra fora das fazendas ou casas onde “viviam” e obrigados a se submeter a situações em alguns casos tão dramáticas quanto no tempo de cativeiro, ou seja, livres, mas sem nada, mal saíram com a roupa do corpo em busca de um canto, sem recursos, nem apoio.

O segundo ponto é um desdobramento direto do primeiro:

Com a Abolição feita dessa maneira, o Brasil se manteve um país extremamente desigual, sob um manto mentiroso e ilusório de que após a lei, todos eram iguais. A igualdade proclamada nunca aconteceu... Os descendentes dos escravizados foram, em sua grande maioria, as mulheres e homens que mais sofreram as mazelas sociais do país, abandonados, e muitas vezes alvos de tentativas de extermínio cultural e social. Os negros/pretos e seus descendentes foram vistos e tratados como inferiores, menosprezados e durante os séculos pós-escravidão continuaram herdeiros das marcas do sistema escravista. Por vezes ainda se ouve as pessoas falarem: “Serviço de preto, cabelo ruim, macumba do diabo”, entre tantas expressões que só reforçam a mentalidade herdada. Muitos dizem que o preconceito não existe, mas esses são os mesmos que não aceitam relações com pessoas de origem preta, não veem seus filhos casados com pretos, não se imaginam sendo orientados ou mandados por patrões pretos, e quando isso acontece, logo mencionam a etnia dos sujeitos como primeiro ítem de discordância, naquelas máximas comuns: “Esse preto tá achando o quê? Qual que é desse negão? Macaco, Filhote de Urubú”...

O terceiro ponto envolve um grupo de pessoas que já não estão identificados pela etnia ou pela origem, e trata-se do trabalho escravo que ainda existe nos dias de hoje:

Apesar de a lei brasileira, proclamada pela Princesa Izabel, afirmar desde 1888 que não era mais permitido ter escravos, ou manter alguém trabalhando em regime de escravidão, a realidade brasileira é muito distinta disso. Em vários lugares, seja no centro de São Paulo, onde imigrantes ilegais são cativos de um sistema escravista que os coloca pra trabalhar mais de 14 horas por dia, presos às máquinas de costuras que sustentam os exploradores, até no interior de estados do Norte (Pará, Amazônia) e Nordeste (maranhão, Piauí, Ceará), ou nas biqueiras de qualquer cidade onde meninos tornam-se dependentes de certas drogas, e viram mão de obra escrava, com julgamentos mortais, nas mãos de traficantes. O sistema escravista continua existindo, e vitima diariamente, milhares de pessoas, oprimidas e escondidas pela ilusão de que a lei da princesa resolveu o problema!!

Nesse dia 13, nesse mês de maio, nesse ano que estamos, e nos demais que virão, vamos afirmar diariamente que não nos iludimos, que não aceitaremos tentarem nos ludibriar com as memórias enganosas construídas por quem sempre dominou e oprimiu os demais... Sabemos quem são nossas verdadeiras referências... A Capoeira é um fruto direto da luta do próprio povo para libertar a si, individual e coletivamente. Essa é a história que vivemos e que lembraremos sempre!!!

A Liberdade não se ganha de presente, a liberdade se conquista lutando!!

Por Alan Amaro

(Capoeirista, músico e professor de História)